CINCO RECURSOS ENGENHOSOS DOS CRISTÃOS
Parece haver cinco maneiras pelas quais caímos nessa estranha perspicácia. A primeira é “buscar os nossos próprios interesses enquanto buscamos os interesses espirituais sob a alegação de serem interesses divinos”. Servir a si mesmo é onde começa a estranha
perspicácia dos cristãos. Sob o disfarce e a alegação de buscar o interesse divino, temos uma maneira esperta de servir aos nossos próprios interesses. Nós nos tornamos muito hábeis nisso.
Mas só enganamos a nós mesmos, achando que estamos "cuidando dos negócios de nosso Pai", quando na realidade estamos cuidando dos nossos próprios interesses.
Um pastor pode falar em edificar a igreja e gastar o tempo realizando a obra do Reino para a glória de Deus. Ele pode ser bastante eloquente nisso, mas o que realmente está fazendo é promovendo-se de maneira desavergonhada, ao mesmo tempo que diz: "Estou fazendo isso por amor a Jesus". Quando se analisa mais fundo, porém, realmente é o trabalho dele, a influência dele, a ambição dele. Esse é o verdadeiro motivo de estar fazendo isso.
Músicos podem seguir no ministério de música a pretexto de servir ao Senhor, enquanto estão ao mesmo tempo se promovendo. Há uma linha fina entre a autopromoção e a exaltação de Cristo. Essa linha às vezes se torna tão tênue que as pessoas realmente não sabem de que lado estão. Embora finjam estar buscando os interesses de Deus, estão presas à autopromoção. Queremos que Deus tenha a glória, mas ao mesmo tempo gostaríamos de receber uma pequena comissão por todo o trabalho que realizamos. Afinal, Deus está "usando-nos para sua glória"; e nós precisamos ganhar a vida.
Uma segunda maneira é falar sobre a cruz e viver à sombra dela, mas nunca realmente se render a ela. Não encontro muitas pessoas falando sobre a cruz ultimamente. Mas os poucos que mencionam a cruz parecem apenas viver à sombra desse ensino. Eles nunca realmente se rendem à cruz como um instrumento de morte para si mesmo. Queremos morrer na cruz, mas, no último momento, sempre parecemos encontrar um jeito de nos salvar.
Nada é mais fácil de falar do que morrer na cruz e nos entregar, mas nada é mais difícil do que realmente fazer isso. Falar é fácil; o que realmente importa é fazer. Alguns cristãos têm pintado a cruz com pinceladas românticas. A vida plenamente entregue é glamorizada e popularizada, mas raramente concretizada. Podemos falar sobre nós mesmos subindo à cruz, mas parece que no último momento sempre encontramos uma razão para dar meia-volta.
Uma terceira via é “implorar que o Espírito Santo nos encha e ao mesmo tempo rejeitar a obra de Cristo em nós e manter as coisas sob o nosso controle”. Acho que outra estranha habilidade entre os cristãos está na área do Espírito Santo. Seria difícil encontrar um cristão sem interesse em ser cheio do Espírito Santo. É evidente que uma variedade de definições dessa doutrina circula há anos, toldando o ensino claro da Palavra de Deus. 'Deixando isso de lado por enquanto, todo cristão ‘realmente’ deseja ser cheio do Espírito Santo. Até encontro cristãos que pedem a Deus que os encha do Espírito. O único problema é que, quando Deus começa a movê-los, eles rejeitam esse mover.
Eles querem que Deus assuma todo o controle da vida deles, mas ao mesmo tempo querem manter tudo sob o próprio controle. O Espírito Santo nunca encherá um homem ou uma mulher que não aceita render-se ou entregar a ele todo o controle da vida inteira. Mantenha um compartimento de sua vida afastado do Espírito Santo, e isso o entristecerá de tal modo que ele não poderá seguir adiante.
De novo, circulam ideias românticas sobre a obra do Espírito Santo na vida do cristão. Mas quero salientar que a obra do Espírito Santo pode ser às vezes dura e rotineira. Antes de ser possível plantar num campo, ele precisa ser arado, e essa é uma ação dura e profunda. De modo semelhante, há coisas na minha vida que precisam ser extirpadas, e é exatamente isso o que o Espírito Santo deseja fazer.
Nós, por outro lado, queremos dar a nossa vida ao Espírito Santo, mas ao mesmo tempo queremos controlar o que o Espírito Santo faz na nossa vida. Queremos sentar na sala de controle. Queremos dar as ordens e afirmar "Assim diz o Senhor". Concluí há muito tempo que o Espírito Santo trabalha sozinho no meu coração e não precisa da minha ajuda, apenas que eu simplesmente me entregue absolutamente a ele. (...)
Um quarto modo de cairmos nessa estranha armadilha é “falar sobre a noite escura da alma, mas rejeitar a escuridão”. Tenho lido artigos e até livros tratando do velho tema da "noite escura da alma". Depois de ler um pouco, logo fica evidente que a maioria dos autores não tem ideia do que realmente é a noite escura da alma. E é aqui que a estranha perspicácia do cristão entra em cena. Abraçamos a noite escura da alma e, ao mesmo tempo, rejeitamos a escuridão.
A noite escura da alma não é algo agradável de transpor e não termina com um jantar de comunhão após o culto, domingo à noite. É uma experiência extremamente árdua que requer um desapego absolutamente estrito de tudo aquilo de que você costuma depender, de modo que você fica só com Cristo.
A noite escura da alma separa os que estão genuinamente interessados em seguir Cristo dos que só têm curiosidade acerca das "profundezas de Deus". Certamente queremos que Deus faça sua obra na nossa vida, mas queremos que as luzes continuem acesas. Queremos que Deus faça no nosso coração e na nossa vida aquilo que lhe traga honra e glória, mas queremos conhecer e compreender cada passo que ele dá na nossa vida.
A escuridão se refere ao não saber. Queremos que Deus ‘faça’, mas queremos que ele faça o que ele faz no escopo da nossa compreensão. A noite escura da alma, porém, é uma obra do Espírito Santo que excede a capacidade de compreensão de qualquer homem ou mulher. Quando atravessamos a noite escura da alma, não sabemos o que realmente nos aconteceu, mas sabemos quem a causou.
O último recurso é “usar a religião para promover os nossos interesses e avanços pessoais”. Essa é outra estranha habilidade do cristão. Surpreende-me ver como as pessoas podem tornar-se religiosas. Até a pessoa que rejeitou Deus em Cristo e a igreja parece ter uma estrutura religiosa forte que a mantém firme. Mas esse uso da religião para si também pode ser visto dentro da igreja naqueles que abraçaram Cristo e andam na luz de sua Palavra.
Queremos ser envolvidos na obra do Senhor, mas queremos também ‘ser conhecidos’ como servos fiéis do Senhor. Queremos fazer a obra de Deus, mas queremos que as pessoas saibam que estamos fazendo a obra de Deus. Somos engenhosos e concebemos ideias religiosas que não têm outra função, a não ser fazer alguém avançar na carreira.
Estamos perfeitamente dispostos a ser o mais religiosos possível, desde que nos possamos promover. Pode parecer estranho, talvez até engraçado, mas é um dos elementos mais danosos que operam na Igreja hoje. É isso o que está roubando desta geração de cristãos a espiritualidade necessária para levar adiante o Reino de Deus. Talvez o exemplo mais estranho dessa perspicácia no cristianismo de hoje seja visto no aspecto do entretenimento e das personalidades religiosas que promovem o homem à custa de Deus…¹
*Uma nota final*
A única cura para o nosso mundanismo é a cruz.(Lc 9:23-26)
Cristãos crucificados-vivos não atendem às demandas do Senhor para o Seu reino. A Palavra da Cruz requer o fim do pecador para a realidade da vida ressurrecta. (Lc 19:31-34) A Palavra de Deus precisa fazer a divisão necessária do que é terreno, anímico e espiritual em todo aquele que professa sua fé nele. (Hb 4:12-13) O Senhor não aceita imitação; Ele requer participação nos vasos do Seu ministério (Hb 3:16). Só assim se cumprirá cabalmente a Palavra: “aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou.” (1 Jo 2:6)
(¹A.W.Tozer)
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