O Filho - Superior aos Profetas
'Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho." (Hebreus 1:1-1:2a)
Todos sabemos que há dois Testamentos - o Antigo e o Novo. Esses testamentos representam duas dispensações, duas formas de adorar, dois tipos de religião, duas maneiras por meio das quais Deus interage com o homem e o homem aproxima-se de Deus. Um testamento foi provisório, temporário, preparatório e estava destinado a passar. O que ele forneceu e fez não estava destinado a satisfazer, mas apenas despertar a esperança de algo melhor que estava por vir. O outro foi o cumprimento daquilo que havia sido prometido, e estava destinado a permanecer para sempre, porque era em si mesmo uma revelação completa de uma redenção eterna, de uma salvação no poder de uma vida eterna.
Em ambos - Antigo e Novo testamentos - foi Deus quem falou. Os profetas, no Antigo, e o Filho, no Novo, foram igualmente mensageiros de Deus. Deus falou nos profetas não menos verdadeiramente do que falou no Filho. Todavia, no Antigo, tudo era exterior e mediado pelos homens. Deus não podia entrar e tomar posse do homem e habitar nele.¹
“No Antigo Testamento, Deus não falou ao povo de uma vez por todas e não falou somente de uma maneira, mas muitas vezes e de muitas maneiras: uma vez aos patriarcas de uma maneira, outra vez mediante Moisés de outra maneira, outra vez por meio de Davi de outra maneira, outras vezes por meio de vários profetas de muitas maneiras diferentes.
É muito apropriado e significativo que este livro, que trata do falar de Deus, seja intitulado A Epístola aos Hebreus. O primeiro hebreu foi Abraão (Gn 14:13), o pai de todos os que contatam Deus pela fé (Rm 4:11-12). Por isso, Deus é chamado "o Deus dos hebreus" (Ex 9:1, 13). O radical da
palavra hebreu quer dizer atravessar. Pode significar especificamente atravessar um rio, isto é, passar de uma margem do rio para a outra, passar de um lado do rio para o outro. Portanto, um hebreu é um cruzador de rios. Abraão foi tal pessoa. Da Caldéia, a terra de idolatria, que ficava do outro lado do grande rio Eufrates,ele atravessou para Canaã, a terra da adoração a Deus, que ficava deste lado do Eufrates (Js 24:2-3). A intenção do falar de Deus neste livro era que os judeus que creram no Senhor,mas ainda vagueavam no judaísmo deixassem a lei e cruzassem até à graça (4:16; 7:18-19; 12:28; 13:9),que deixassem a velha aliança e cruzassem para a nova aliança (8:6-7, 13)e que deixassem o serviço ritual do Antigo Testamento e cruzassem para a realidade espiritual do Novo Testamento (8:5; 9:9-14); isto é, que deixassem o judaísmo e cruzassem para a igreja (13:13; 10:25), que deixassem as coisas terrenas e cruzassem para as coisas celestiais (12:18-24), que deixassem o átrio exterior, onde ficava o altar e cruzassem para o Santíssimo lugar, onde Deus está (13:9-10; 10:19-20), que deixassem a alma e cruzassem para o espírito (4:12) e que deixassem o início da verdade e da vida e cruzassem para a maturidade de vida na verdade (5:11-6:1). Não somente os judeus que creram no Senhor, mas todos os que contatam Deus pela fé, devem ser tais cruzadores de rio. Esse é o propósito do falar de Deus neste livro.”²
“Nestes últimos dias nos falou pelo Filho…” (Hb 1:2a)
Esta expressão “últimos dias”, é uma expressão hebraica que indica o fim da dispensação da lei,quando o Messias deveria ser apresentado. Ver Is 2:2; Mq 4:1.
“Deus, que concedeu aos nossos antepassados muitos vislumbres diferentes da verdade nas palavras dos profetas, agora, no fim desta era, deu-nos a verdade no Filho, por intermédio de quem fez o universo inteiro e determinou que ao Filho, no final, deverá pertencer toda a criação.” (J. B. Phillips)³
“Deus… falou pelo (ou, “no”) Filho”. “No Antigo Testamento, Deus falou pelos profetas, em homens movidos pelo Seu Espírito" (2Pe 1:21). No Novo Testamento, Ele fala pelo Filho, na pessoa do Filho. O Filho e o próprio Deus (v. 8), é Deus expressado. Deus Pai está oculto; Deus Filho é expressado. Ninguém jamais viu Deus: o Filho, como a Palavra de Deus (Jo 1:1; Ap 19:13) e o falar de Deus, declarou-O com a Sua plena expressão, explicação e definição (Jo 1:18).
O Filho é o centro, o foco, deste livro. Na Deidade, Ele é o resplendor da glória de Deus e é a expressão exata da substância de Deus. Na criação, Ele é: (1) o meio pelo qual o universo foi feito (v. 2); (2) o poder que sustenta e carrega todas as coisas (v. 3); e (3) o Herdeiro designado para herdar todas as coisas. Na redenção, Ele fez a purificação dos pecados do homem e agora está sentado à direita de Deus nos céus (v. 3).
Este livro nos revela o contraste entre o Antigo e o Novo Testamento.O Antigo Testamento era da lei em letras e formas, do homem, terreno,temporário e visível, e resultou numa religião chamada judaísmo. O Novo Testamento é da vida, espiritual, celestial, permanente e pela fé e se concentra numa pessoa que é o Filho de Deus.”²
“No Novo, tudo é mais direto e imediatamente divino, tudo é realizado por meio de um poder, realidade e vida interiores dos quais o Antigo Testamento era apenas sombra e esperança. O Filho, que é Deus, leva-nos até a verdadeira presença de Deus. E por que Deus não se revelou desde o princípio no Filho? Por que não poderia revelar-se no Filho desde o princípio? Por que foram necessários esses dois tipos de adoração e de serviço a ele? A resposta tem dois aspectos. Para que o homem pudesse de fato apropriar-se do amor e da redenção de Deus de forma inteligente e voluntária, ele deveria ser preparado para isso.
Ele necessitava primeiramente conhecer sua total impotência e condição de miséria, sem esperança, em que se encontrava.
Dessa forma, seu coração seria despertado com o verdadeiro desejo e a esperança de receber e valorizar aquilo que Deus tinha para dar.
Quando Deus nos fala em Cristo, ele o faz como o Pai que habita no Filho. "As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo, mas o Pai que permanece em mim faz as suas obras". Assim como o falar de Deus em Cristo era interior, da mesma forma Deus ainda não pode falar conosco de outra maneira. As palavras externas de Cristo, assim como as palavras dos profetas, servem para nos preparar e nos apontar para aquele falar interior do Espírito Santo no coração, o único falar que é vida e poder. Esse é o verdadeiro falar de Deus em seu Filho.
É de extrema importância para nossa vida espiritual que entendamos corretamente esses dois estágios do trabalhar de Deus com o homem. De duas maneiras, não de uma somente; não em mais de duas; de duas formas Deus falou. Essas duas formas de falar indicam essencialmente o caminho de Deus para cada cristão. Após a conversão de um homem, há um tempo de preparação e teste que se destina a verificar se ele voluntariamente e de todo coração sacrifica tudo em prol da bênção plena. Se nesse estágio ele persevera em um esforço e empenho sinceros, ele será levado a aprender as duas lições que o Antigo Testamento deveria ensinar. Ele se tornará mais profundamente consciente de sua própria impotência e será despertado o forte desejo por uma vida melhor, o desejo de ser encontrado na revelação plena de Cristo, como aquele capaz de salvar completamente. Quando essas duas lições são aprendidas - a lição de desesperar de si mesmo e a lição de ter esperança em Deus somente - a alma está preparada e desejará render-se em fé à condução do Espírito Santo para verdadeiramente entrar na vida além do véu do Novo Testamento, no próprio Santo dos Santos, assim como nos é mostrado na Epístola aos Hebreus.
Quando, devido a um ensino inadequado, ou por causa de negligência e indolência, os cristãos não compreendem a maneira de Deus conduzi-los até a perfeição, a vida cristã será sempre repleta de fraquezas e falhas. Foi assim com os cristãos hebreus. Eles pertenciam ao Novo Testamento, mas sua vida não demonstrava o poder e a alegria que Cristo veio revelar. Eles estavam muito aquém daquilo que muitos santos do Antigo Testamento haviam sido; e a razão disso foi que desconheciam o caráter celestial da redenção que Cristo trouxe.
Eles desconheciam o lugar celestial onde Cristo ministra, não conheciam nem a bênção celestial que ele concede, nem o poder celestial por meio do qual ele assegura que desfrutemos dessas bênçãos. Eles desconheciam a diferença entre os profetas e o Filho; desconheciam o significado de Deus agora nos ter falado no Filho. O objetivo da epístola é colocar diante de nós o sacerdócio celestial de Cristo e a vida celestial à qual ele nos dá acesso por meio de seu poder divino. É isso que concede a essa epístola seu valor inestimável e eterno; em outras palavras, é seu ensinamento sobre como sair do estágio elementar, primário, da vida cristã para aquele estágio em que
temos pleno e perfeito acesso a Deus.
Devemos entender e apegar-nos firmemente na diferença entre esses dois estágios. Em um, a ação do homem é mais proeminente: Deus fala nos profetas. No outro, a presença e o poder divinos são revelados mais plenamente: Deus fala no Filho, o que possui e traz a própria vida de Deus e nos conduz a um contato vivo com o próprio Deus. Em um, são as palavras humanas que ocupam e influenciam e nos ajudam a buscar Deus; no outro, a Palavra divina, que habita em nosso interior, revela seu poder dentro de nós. Em um, trata-se de uma multiplicidade de pensamentos e verdades, de ordenanças e esforços; no outro, trata-se da simplicidade e da unidade do único Filho de Deus e da fé nele somente.
Quantos buscaram encontrar Deus por meio do estudo e da meditação e aceitação das palavras da Bíblia e fracassaram! Eles desconheciam que essas coisas não passavam de indicações que apontavam para o Filho vivo - palavras provindas, de fato, de Deus, muito necessárias e proveitosas, contudo insuficientes.
Isso somente nos concede bênção verdadeira quando nos leva a ouvir o próprio Deus falando em seu Filho.
Nenhum de nós se contente em permanecer no estágio inferior.
Possamos ver que Cristo nos dá comunhão com Deus pelo Espírito
Santo. Deus nos chama para isso; Cristo habita nos céus para realizar essa obra pelo Espírito Santo que ele nos concede do céu.
É possível que alguém conheça muito a Bíblia e as palavras de
Deus e permaneça fraco. Precisamos, de fato, conhecer a Palavra viva, em quem Deus fala em nosso interior, em vida e poder.
Todos os profetas apontam para o Filho como o verdadeiro Profeta. Possamos tomá-los de fato como nossos mestres para revelar Deus em nós.
Ao proferir uma palavra, desejo que seu significado e força penetrem naquele a quem me dirijo. Nestes últimos dias, Deus tem uma única palavra. Ele deseja que tudo o que essa palavra é e significa entre e viva em nós. Abramos nosso coração e Deus falará "Este é o Meu Filho" de tal forma que ele será nosso completamente.”¹
(...)
(¹ A. Murray; ² W.Lee; ³ J.B.Phillips)
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