Reveladas as Verdades Mais Profundas

 A cruz é revelada. O Espirito Santo revela Cristo, desta vez não como Aquele que tira o pecado (embora o crente nunca fique além da necessidade de uma apropriação constante da eficácia do sacrificio de Cristo pelo pecado), mas como o escape para essa coisa repugnante que chamamos de "ego". É uma visão de si mesmo como alguém unido a Cristo em Sua morte - crucificado com Cristo -, visão que agora o Espírito concede ao crente. Ele é levado a ver que também morreu para o pecado na morte do Salvador e foi eticamente entregue a uma posição de morte para que pudesse ser levado pela ação cataclismica a uma participação corporativa da cruz e da sepultura do Filho do Homem, para sair do domínio da "vida do ego" para uma nova vida de poder divino.

Ele começa a ver que, sem essa participação na morte do Filho do Homem, o pecado, como um principio (aquela mesma coisa que precipitou o drama abominável do Calvário), continua a operar nele e colocá-lo, de certo modo, em uma posição de cumplicidade com os próprios assassinos do Salvador. Ele percebe que se não conseguir assinar a sentença de morte do "ego", a sua posição como um crente fica completamente insuportável, o ápice das contradições.

Ele começa a perceber que Cristo não apenas morreu por ele como um pecador, mas que ele, como um pecador, potencialmente morreu em Cristo para o pecado e que o primeiro sem o último o envolverá em contradições morais profundamente repugnantes e infames. A lógica de tudo isso abate sobre ele com a força de um demônio e o impelem da sua posição de duplicidade (inconscientemente mantida, sem dúvida). Ele precisa morrer com Cristo para o pecado ou continuar crucificando Cristo - a mente carnal é inimizade contra Deus (Rm 8.7). Ele percebe que, a não ser que o ego seja crucificado, Cristo é crucificado.

Tudo isso é obra do Espírito Santo. Não é natural para um homem virar-se contra si mesmo e começar a odiar aquilo que pela natureza ama mais que qualquer outra coisa sob o sol, ou seja, o "ego".

O Espírito Santo, conforme escreve o doutor A. B. Simpson no livro Dias de céu na terra², é o grande Empreiteiro que finalmente nos conduz ao lugar para o qual Deus nos destinou, isto é, para um compartilhamento da sepultura de Cristo. Mas Ele não pode nos conduzir à participação na vida de crucificado - nos conduzir ao lugar chamado Calvário sem o nosso consentimento. Devemos consentir na morte.

Tudo o que a cruz significa de dor e vergonha, ignominia e morte - o partir do Coração de Cristo não é nada mais nada menos do que o modo infinitamente delicado e moral de Deus para nos conduzir a uma disposição para morrer. Isso não seria um exagero se Ele pudesse apenas nos persuadir de nós mesmos e alcançar o nosso consentimento para morrermos.

É por isso que a cruz salva. Não é pela magia divina. Não é simplesmente que Cristo tomou o nosso pecado. Ele fez isso, mas o propósito do Calvário vai infinitamente além disso. De certo modo, concordo com Lord Beaconsfield³, que difama a doutrina da expiação e diz que ela é positivamente imoral. Como concebida por muitos, é imoral. Se o mérito da morte substitutiva de Cristo para que eu esteja diante de Deus é apenas algo que pode ser-me imputado simplesmente porque aceito o sacrificio do Salvador e não tem efeito na minha maneira de viver - se ele deixa a erva venenosa, que chamamos de pecado, crescer em mim - então, por tudo que é razoável, eu digo que a cruz é imoral. 

Mas esta não é a cruz de Cristo. É a cruz mutilada dos cristãos modernos. A cruz de Cristo é substitutiva porque "o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos", mas é mais do que isso. A própria natureza da obra redentora de Cristo consumada no Calvário é tal que você não pode receber os seus beneficios penais sem participar dos seus beneficios morais. Isto é, se você olhou para o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo sem chegar a uma profunda vontade de ser separado do ego - desarticulado do falso centro, o ego, para ser articulado ao verdadeiro, que é Deus -, então é seguro dizer que o propósito real de Deus naquele indescritivel evento, que um escritor chamou de o momento mais sublime na história moral de Deus, simplesmente não foi alcançado. O Espírito Santo nunca teve uma chance de operar em você para conduzi-lo a uma participação espiritual na morte do Filho de Deus, que na economia divina foi corporativa - o Corpo, a Igreja, morrendo em seu divino

Cabeça.

O principal dos apóstolos viu isso tão claramente que dá um grito, como se tivesse sido apunhalado, quando o assustador pensamento da possibilidade de continuar em pecado, depois da fé em Cristo, é sugerido - uma doutrina que até na Igreja primitiva teve a sua aceitação. "Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante?".

Por que não, se, no final das contas a salvação, como tantos estão acostumados a pensar nela, é simplesmente uma libertação das consequências penais do pecado? "Ah!", diz o apóstolo, "como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?

Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na Sua morte? Fomos, pois, sepultados com Ele na morte... fomos unidos com Ele na semelhança da Sua morte... foi crucificado com Ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído... quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu para o pecado... considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus" (Rm 6.1-11).

A verdade fora de proporção, foi muito apropriadamente dito, se torna um erro. A verdade sobre a morte substitutiva de Cristo sem o que encontramos em Romanos 6 - isto é, o fato, no bom julgamento de Deus, da nossa participação na cruz, da nossa união com Cristo na Sua morte para o pecado, da nossa voluntariedade, numa palavra, para que o Espírito termine com a velha vida do "ego", a vida carnal, que é inimizade contra Deus, separando-nos do "ego" e nos centrando em Deus, a verdade, repito, do primeiro afirmada sem a verdade do último conduz a uma confusão que o erro sempre acarreta; é um Evangelho decapitado, o qual pode causar, em alguns casos, mais dano do que bem.


Crucificada a "Vida do Ego"


Nas memórias da Sra. Penn-Lewis, há uma história estranha conectada a sua visita à Índia, que encaixa de forma muito bela nessa linha de pensamento. Um missionário, que mais tarde, com o zelo de um apóstolo, se entregou à tarefa de propagar os escritos da Sra. Penn-Lewis, os quais na sua maioria versam sobre a identificação do crente com Cristo em Sua morte e ressurreição, teve um sonho que muito o impressionou. Foi da cruz de Cristo. Contudo, não foi a aparência sangrenta do Salvador que chamou sua atenção. Era algo excessivamente feio, indescritivelmente repugnante, cuja natureza ele não pôde decifrar. O que era isso que tanto o horrorizou? Mais tarde, quando ouviu a mensagem da identificação e compreendeu que tinha sido crucificado com Cristo, o Espirito revelou a ele que aquela coisa repugnante que tinha visto em seu sonho não era nada senão ele

mesmo.

Que a Igreja possa alcançar uma nova visão do Calvário e venha a apreciar o significado dos aspectos mais profundos da cruz! Que os cristãos possam perceber que o objetivo de Cristo foi o de acabar, por assim dizer, com a "velha criação", levando o homem (Cristo era o Filho do Homem) para a sepultura para destruir o "corpo do pecado", pondo fim à "velha vida", e então gerá-lo no poder da ressurreição, impregnado com a dinâmica da vida celestial! Falando dos judeus e gentios, Paulo diz: "...

[Cristo] aboliu, na sua carne, a inimizade... para que dos dois criasse, em si mesmo, um novo homem... por intermédio da cruz" (Ef 2.15-16). Que revolução espiritual isso operaria na vida da

Igreja! Uma onda de vida divina passaria impetuosamente por ela, revitalizando os membros do corpo de Cristo, muitos deles enfraquecidos no pântano do desgaste espiritual, com uma alegria renovada e os incendiando com uma vida celestial - a Vida das Eras.

A Igreja, como disse o grande pregador francês Lacordaire, nasceu crucificada; e a menos que, como a sua divina Cabeça, caia na terra e morra, permanece só, os rios vivificantes não podem jorrar do seu seio. Não é, como um dos nossos irmãos britânicos disse, um grande mover no campo da realização carnal, mas um morrer divino, que trará a Igreja de novo para um flamejante zelo apostólico e uma frutificação comparável com aquela dos cristãos primitivos.

Deus nos concede a graça de sermos esclarecidos sobre uma coisa: Cristo não entra na nossa vida para remendar o "velho homem". É aqui onde as inumeráveis multidões de cristãos têm estado "penduradas". Elas pensam que a missão de Cristo foi de "torná-las melhor". Não há absolutamente nenhuma base bíblica para tal ideia. Jesus disse que não tinha nenhuma intenção de derramar Seu vinho novo em odres velhos. Ele disse que não tinha vindo para trazer a paz, mas uma espada. Ele disse que a menos que um homem renunciasse completamente a si mesmo, não poderia ser Seu discípulo. Cristo não vem a nós para simplesmente arrumar a "velha vida". Ele nunca prometeu nos tornar melhores. Toda a Sua obra redentora consumada na cruz descansa sobre a suposição (é mais que uma suposição - Deus diz que é um fato) que a condição do homem é tal que somente uma morte e um nascer de novo podem possivelmente satisfazer as exigências neste caso. Em vez de tentar remendar o homem e então deixar que ele imite da melhor forma que puder o modelo dado na Judeia há dois mil anos, Cristo o leva para a sepultura, onde a "velha vida" é totalmente acabada, e então o faz participante da Sua ressurreição. Cristo, o nosso Senhor, 5nos une a Ele e nos comunica uma "vida" inteiramente "nova".

Mas temos a nova sobre a base da nossa recusa da velha.


Cristo é a Videira, nós somos os ramos. Ele é a Cabeça, nós formamos o corpo.


As epístolas de Paulo são entremeadas por um significativo "se", que muitas vezes nos aponta para o Calvário e nos choca com uma imperativa demanda devemos consentir em sermos co-crucificados. "Se já morremos com ele, também viveremos com ele..." (2 Tm 2.11). "Porque, se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente, o seremos também na semelhança da sua ressurreição. (Rm 6.5). ".. se perseveramos, também com ele reinaremos. " (2 Tm 2.12).

Muitas vezes me perguntei por que aquele estandarte simbólico que Moisés levantou no deserto, e ao qual o nosso Senhor se referiu naquela clássica conversa com Nicodemos, quando Ele disse: "E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado..."

(Jo 3.14), teve de ser uma serpente. Por que não algo encantador, já que deveria tipificar o Rei em Sua obra redentora na cruz? Lemos que todos que olharam para a serpente foram curados. Mas por que uma serpente? Por que não um lírio ou uma rosa? Não era a Rosa de Sarom que estava representada? Foi só depois de eu ter descoberto esse principio da identificação que

vim a entender. Cristo não estava sozinho ali na cruz do Calvário. O nosso "velho ego" estava crucificado no segundo Adão - o Homem Representativo que estava ali sobre a amaldiçoada Árvore, não por Ele mesmo, mas pela humanidade; estava ali como Alguém tão identificado com o sofrimento e a pecaminosidade do homem, tão amalgamado com a raça humana em sua iniquidade e sua depravação, que Ele não poderia morrer pelo pecado e para o pecar sem que o homem tivesse eticamente de morrer n'Ele. Já que a minha amaldiçoada, repugnante "vida do ego" foi pregada ali na cruz com Cristo, e no julgamento de Deus morreu n'Ele, que simbolo mais adequado do que a serpente?

Na verdade, há no homem uma serpente que o picou com a picada da morte e envenenou as fontes do seu ser. Ela o mergulhou na noite da alienação de Deus, e até que essa coisa vil seja removida e uma nova vida seja injetada, o destino do homem não é, para dizer pouco, nada invejável. Nenhuma outra maldição precisa ser pronunciada, nenhuma outra sorte selada, nenhuma outra condenação envolvida, uma vez que somos amalgamados em suas verdadeiras obras e sua verdadeira natureza

percebemos que a natureza propria do "ego" é tal que a miséria deve vir como consequência. É a lei - a inexorável lei. (...)


F.J.Huegel



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